GUIA DE LEITURA

Se você me perguntasse quais textos ler, eu diria para CLICAR AQUI e achar uns 20 e poucos que eu classifiquei como os melhores. Mas vão alguns de que eu particularmente gosto (e que fizeram algum sucesso):

Caritas et scientia
(as saudades da minha escola)
A-Ventura de Novembro
(o retrato de um coração partido)
Vigília
(os sonhos nos enganam...)
Sairei para a boate e encontrarei o amor da minha vida
(ou "elucubrações esperançosas")
(a afeição por desconhecidos)
A tentação de Mãe Valéria
(trago a pessoa amada em três dias)
A nostalgia do que não tive
(a nostalgia do que não tive)

domingo, 27 de setembro de 2020

o ser nostálgico

novo blog.


A vida adulta chegou e eu resolvi que quero escrever trabalhar melhor, nesse esforço de autoconhecimento que é escrever, um tema que muito passou por esse blog aqui, esse blog lindo, de nome tão pretensioso, que escrevi dos meus 16 aos 26 anos, e que vou deixar na internet para eu ler de vez em quando como um diário de alguns anos com autorrelatos de meu crescimento.

Mas agora acho que quero falar de nostalgia.

Sair do Rio me fez isso, envelhecer me fez isso, mas não é um movimento estranho ao meu ser. Para bem delimitar duas eras, fiz outro blog. Chama-se O Ser Nostálgico


Entra lá:

www.osernostalgico.com.br


Obrigado a todos que aqui frequentaram, comentaram, leram e puderam me conhecer um pouquinho, nessa intimidade estranha que é escrever essas coisas tão íntimas que hoje eu jamais teria coragem de publicar.

terça-feira, 1 de março de 2016

redenção

Desde que me entendo por gente, gosto de tirar fotos. Se, no início, meu fascínio era por apertar aquele botãozinho e ver a luz mágica do flash sair, depois de um tempo - e já bem cedo -, fiquei conquistado pela ideia de aprisionar a efemeridade do presente e corporizá-lo em material para nostalgias futuras.

Também, desde que me entendo por gente, vivo cercado por pessoas que odeiam aparecer em fotos. Estão feias, estão mal vestidas, estão com cara de sono, olheiras e etc. Nunca estão no melhor ângulo. Querem aparecer fazendo um bico assim, assado. Algumas possuem um lado favorito para exibirem o perfil. Tem gente que quer parecer mais forte. Ocultar barriga. Outras pessoas, simplesmente, detestam o flash, e pouco se importam se o registro vai sair escuro ou borrado.

Nunca dei muito crédito a esse tipo de coisa, afinal, a nostalgia no futuro é um sentimento muito mais nobre do que que preocupações cosméticas de ocasião. Eu, honestamente, desprezo em minha intimidade quem não quer aparecer em foto, especialmente quando se trata de momento solene e único a ser registrado. Respeito por mera força do hábito.

Por óbvio, não estou falando que tudo será imediatamente postado em redes sociais, para o regozijo geral com eventual feiura alheia. Mas esse nunca é meu propósito. Eu apenas quero guardar memórias. Sou daqueles que, de vez em quando, precisa ver fotos antigas para me reconectar a alguma coisa. Fotos me lembram da caminhada da vida e de quem ao meu lado esteve presente. Às vezes, vejo fotos para lembrar de cheiros ou de emoções. Elas me transportam no tempo e no espaço, especialmente quando são fotos digitais e, portanto, ficam imunes às marcas do tempo (escrevi sobre isso aqui). Fotos são que nem vinhos: melhoram com o tempo. Nelas, todo percalço é passageiro.

Como certas coisas tendem a piorar, mas nem sempre, fotos velhas sempre estão no lucro. Quem enfeiar, vai ter no souvenir uma boa memória. Quem embelezar, encontrará na fotografia um lembrete de superação.

Não tem erro: tirem fotos sempre. Feiuras, rugas, cenas em que se aparece falando, olhos caídos, barrigas e demais saliências não vão necessariamente sair no instagram. Seu lugar mais nobre é o futuro, onde todas imperfeições são mera contingência. Vícios prescreverão adormecidos em álbuns físicos ou em pastas de computador.

E o futuro a tudo redimirá.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Prolegômenos sobre epílogos.

Tenho uma mania detestável por epílogos. Para mim, coisa alguma pode terminar sem um bom epílogo. O desfecho em si nunca me basta: ele precisa ser narrado, comentado, parafraseado e acrescentado. Preciso que me mostrem o que vem depois do final.

O epílogo é a história intempestiva com gosto de quero mais. Tem seu quê de nostalgia e também de surpresa.

Um "tchau" para desligar o telefone pede uma eternidade a seguir. Um email não pode sem terminar sem um PS (corrigindo, precisa de um PS depois que terminar). Até ao rescindir o contrato da academia, consegui um mês a mais, de graça, bônus. Não li Harry Potter 7, mas li seu epílogo (e me foi suficiente).

Dar de costas e seguir adiante indefinidamente? Não pode. No segundo seguinte à virada apoteótica, é preciso dar aquela espiada para ver o que ficou para trás. Sempre há uma eternidade pendente de uma contemplação tardia. Não deixe de fazê-la.

Filmes não podem terminar sem aquela narração sóbria, em fundo preto, do que aconteceu com os protagonistas em seguida à história narrada. Mesmo nos filmes que não são baseados em fatos históricos, sinto falta desse momento epilogal. Não sossego antes de saber o que se passou depois do fim. Invento verdades particulares posteriores, se necessário.

A grandiosidade da vida se mede pelo postmortem. Como num musical que acaba quando a peça se encerra e os músicos cessam a execução, mas que não ficará completo sem os aplausos que se seguem.

Sei - e isso é duro - que não haverá morte que me baste, será preciso alguém lendo meu epitáfio sobre a lápide para que eu consiga, enfim, descansar. Últimos suspiros não encerram páginas. Estarei espiando lá de baixo (ou de cima?) se meu pós-momento estará sendo respeitado.  Sejam generosos.


PS: exumação não vale como epílogo, please.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

FAZENDO JUSTIÇA - Discurso do orador na formatura DIREITO UERJ 2013.1

Compartilho com vocês o discurso que escrevi e proferi enquanto orador de turma na solenidade de colação de grau do curso de Direito da UERJ, nesse último mês.


FAZENDO JUSTIÇA

(ou “desculpas” e/ou “muito obrigado!”)
2 de setembro de 2013.


Caros formandos, professores, funcionários, familiares e amigos.

Foi com prazer – e alguma apreensão – que recebi e aceitei a honra de falar em nome dos quase setenta formandos que de modo merecido aqui estão a comemorar a conclusão do bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Missão difícil porque, num universo de setenta pessoas tão diferentes e não tão entrosadas (sejamos francos), é duro equilibrar a generalidade de um discurso com a sua visceralidade. Porque a generalidade cobra o preço da pouca significância e a visceralidade cobra o preço da receptividade seletiva. Equilibrar-se num discurso de formatura é não deixar que se fale pouco a muitos, nem que se fale muito a tão poucos.

A solução para esse difícil equilíbrio, contudo, parece relativamente óbvia quando se está a falar de estudantes de Direito, e muitos outros oradores em formaturas como a nossa já perceberam isso. Afinal, se há algo que simultaneamente aparenta nos congregar enquanto um grupo profissional e nos arrebata em profundidade é a pulsão por FAZER JUSTIÇA. Fazer justiça! Então, problema resolvido: eu falo sobre fazer justiça, o papel do jurista na defesa das liberdades, na luta contra as desigualdades sociais, na consciência crítica perante a letra fria da lei, na sensibilidade de “humanista” perante o sistema reinante, na nossa capacidade de fazer um “mundo melhor” a partir de agora e... pronto. Todos aplaudem, os formandos exultam de alegria, recebem seus canudos e voltam para casa eivados de inspiração... Os pais sentem ter parido verdadeiros missionários de um belo porvir, tudo no script... Justo assim, amigos?

Ocorre que, como esses cinco anos de faculdade e alguma vivência jurídica certamente nos fizeram constatar, a vida no Direito não é bem por aí. Falar da vida jurídica dessa forma seria mentir um pouquinho a nós mesmos e sobre nós mesmos. O desafio de “fazer justiça” nos meandros do mundo jurídico vai além da mera exortação do valor justiça, do mero compromisso em fazer o certo, da evocação de postulados éticos, da indignação com o mundo, do conhecimento do universo das leis, ainda que tudo isso continue a ser importante e salutar. Mas mesmo funcionando como poderosa estratégia retórica, a verdade é que bradar a realização da justiça não resolve problema algum: como sabemos, as maiores atrocidades do século XX foram cometidas em nome de projetos de justiça e de concepções sinceras e sofisticadas do que seria o bem.

Mas como esse não é um discurso sobre filosofia do direito, hoje vos quero falar sobre “fazer justiça” no sentido mais comezinho (e comedido) da expressão, que NÃO é o sentido, digamos, intransitivo de fazer justiça, o sentido próprio à filosofia moral, aquele que se põe à busca do certo e do errado a ser feito. Na verdade, falo do sentido transitivo de “fazer justiça”, isto é, o sentido de “fazer justiça a algo ou a alguém”. Acredito que essa seja uma forma justa de ser justo, ao menos num momento especial como o dia de hoje. Assim, como uma ode ao comedimento, quero aqui fazer justiça a coisas singelas, mas nem por isso menos significativas, no que farei passeio que vai da autocrítica à gratidão.

Em primeiro lugar, quero fazer justiça a quem somos. Antes garotos e garotas, hoje homens e mulheres. Das mais distintas origens, bagagens, convivendo no ambiente plural, e às vezes perturbadoramente plural, que é a nossa UERJ. Pessoas com inspirações e aspirações distintas a nos mover. Pois bem: cinco anos nos uniram em uma convivência, para dizer o mínimo, respeitosa e cordial. Amigos, conhecidos, festas, farras e amores, correspondidos ou não. Estudos? Para alguns, muitos estudos. Para outros, nem tanto. Mas todos um mínimo fizemos: ora, estamos aqui! Fato é que não apenas nos sentamos, como também nos sentimos, nas fileiras de um mesmo barco, quase uma mesma galera, ora a navegar de vento em popa, ora a naufragar solenemente em meio aos problemas: os nossos e também os problemas da UERJ.

Ah UERJ, querida UERJ... também quero lhe ser justo: como não manter uma relação de amor e ódio? Mas... é com alguma ponta de nostalgia que ora me despeço de você, mesmo que muito tenha ansiado para que esse dia derradeiro chegasse. UERJ, você testou minha paciência com seu complicado jeito de ser. Vocês sabem, a UERJ não é para leigos. Mas vendo pelo lado bom, porque hoje não é dia de lamúria, devo dizer: sua penúria também muito me ensinou. Me ensinou a fazer mais com menos. E me ensinou a valorizar devidamente aqueles professores e funcionários que com louvor carregam nas costas o serviço público, nunca perdendo o bom-humor e a solicitude. A esses, muito obrigado! Porém, se algumas coisas porventura faltaram nesses cinco anos – ou será que estava eu mal-acostumado? -, não nos faltaram orgulho e responsabilidade por ter integrado o material humano de primeiríssima qualidade do nosso sétimo andar. Dizer que se estuda na Faculdade de Direito da UERJ é por si só uma credencial a abrir muitas portas. Mas isso cobra uma equivalente contrapartida, isto é, a expectativa alheia de que ajamos com a excelência que nossa tradição consagra desde 1935. Muitas gerações de brilhantes juristas nos precederam e muitas outras nos sucederão: nossa missão é não fazer feio e honrar as quatro letras de sua sigla permanentemente em nossos currículos. Uma sigla inconfundível sob o “r” rasgado do carioquês. É, UERJ, quem sabe eu também sinta sua falta...

Também quero fazer justiça aos professores que tivemos. Todos serviram como exemplo: uns do que efetivamente ser, outros do que JAMAIS ser. A verdade é que num geral fomos brindados com muitos mestres, alguns dos quais hoje homenageados, aqui também representando a outros não expressamente lembrados, mas também não tacitamente esquecidos, por conta da absoluta falta de espaço a comportar tantas as homenagens quanto as merecidas. Com o recebimento do canudo, caros professores, não se esvairão de nossas mentes seus ensinamentos de matéria, suas lições de vida, suas provocações intelectuais, muito menos a inspiração que nos transmitiram com brilho nos olhos.

Cabe também fazer justiça a quem trabalhou e pagou por tudo isso. Isso, é claro, para além de nossos pais e responsáveis, desde o início suportando de diversas formas nossas expedições acadêmicas. Mas não é deles que estou falando: refiro-me aos patrocinadores difusos de nosso sucesso concreto. É que, como diz o adágio da teoria econômica, “não existe almoço grátis”. O mesmo, vejam só, vale também para a educação pública dita gratuita. Assim, aos milhões de contribuintes fluminenses que, talvez até a contragosto, nos permitiram estar aqui com o suado dinheiro de seus impostos, dedicamos um pedido de desculpas por nossas falhas no bom aproveitamento desses recursos e, de coração, agradecemos o mecenato.

Por fim, e em tom auspicioso, quero fazer justiça a quem podemos ser num futuro próximo. (Essa é a parte mais difícil) Em mundos necessariamente imperfeitos, a vida se mostra injusta, vacilante, desigual, imprevisível. E, pasmem, nenhum princípio constitucional irá resolver! É claro que nossas possibilidades enquanto juristas passam pelos conhecimentos sobre materiais jurídicos, mas neles elas não se esgotam. Por vocação da carreira ou por mera contingência, nosso quase presente futuro no mundo do direito envolverá gerir dramas humanos de pessoas reais, o que abrange fazer escolhas trágicas do modo menos trágico, abrange não tropeçar em fatos inseguros a confundir o nosso juízo e, também, abrange não se deixar iludir por fraseologias tentadoras, não raro em nome do próprio direito, que buscam abreviar caminhos sinuosos valendo-se de mentiras úteis.

Para esses desafios, contudo, não fomos – e nem poderíamos ter sido – treinados nos últimos cinco anos. Assim, qualquer que seja nossa sorte, uma boa dose de maturidade nos será especialmente útil daqui em diante. Frutas, quando maduras, caem. Mas homens e mulheres, quando maduros, se sublimam. Nosso caminho deve ser para o alto, sempre.

Uma primeira etapa hoje completamos. E, claro, como eu estava falando de fazer justiça, nada mais justo que a celebremos. Contudo, não podemos exagerar no auto-deslumbramento de uma missão bem cumprida. Porque a faculdade, amigos, até pode nos ter dado algum conhecimento – e certamente nos deu -, mas a vida nunca nos deixará de exigir sabedoria.

Muito obrigado.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A velha auto-indulgência em não passar filtro solar no mormaço

Esses dias ouvi em conversa alheia, dessas que chegam ao ouvido implacáveis como perfumes de estranhos, uma mulher falar a seguinte frase: "a gente sempre acha que mormaço não queima, né".

"Mormaço não queima" ocupa um lugar de honra naquele rol de mentiras que sabemos ser mentirosas, mas que nos permitimos repetidamente viver por pura leviandade e preguiça. Quem nunca olhou para um céu nublado vertendo mormaço e pensou que jamais iria se queimar da mesma forma que num tremendo dia de sol de verão?

Tenho preguiça de passar filtro solar em qualquer outra situação que não aquelas em que o sol seja uma "função" no meu dia. No fim das contas, acabo passando filtro solar apenas quando o dia está lindo e eu sei que vou ficar muito tempo exposto ao sol, porque aí não consigo negociar com minha consciência.

Tirando dias "lindos", se me perguntarem se eu deveria ter passado filtro, eu diria que sim. Mas um "sim" sem convicção, quase que por vergonha em admitir um comportamento viciado, um "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço". Lá no fundo, há uma crença latente, de uma fé quase inabalável, quanto ao fato de o mormaço não queimar, quanto ao risco corrido ser muito menor por ser apenas um mormaço, a ponto de não valer a pena passar o filtro solar at all. Como se o infortúnio da vida só incidisse sobre os outros.

Menos que isso e ficamos neuróticos.

Antigamente, eu dizia que eu só aprendia com erros quando errava pela segunda vez. Precisava ter certeza demais para poder confortavelmente contrariar minhas melhores intuições. Achava um comportamento epistemicamente correto... mas quanta pretensão! Talvez fosse só um jeito legal de dizer que, na verdade, só sofro de um excesso de otimismo, ocasional e seletivo, como se sempre dissesse que "comigo vai ser diferente". Nunca é tão diferente.

Como statements blindados sobre o mundo e contra o mundo, como verdades cujas fichas não caem, essas mentirinhas que contamos para nós mesmos vão funcionando como pequenas auto-indulgências diante da vida. Elas amolecem nossa existência. Estamos sempre a nos perdoar por transgredi-las, não importa o quão óbvio seja o passo em falso que se toma ou o preço amargo que se paga. Pouco faz diferença ter podido antecipar as consequências. Se aconteceu errado, não é nossa culpa. Ou não foi por causa daquilo. A causalidade vira nossa amiga e cúmplice: nunca foi ela. O azar, nosso inimigo, nosso algoz. Não estamos mais no controle.

Vamos acumulando nossas mentirinhas. Como uma fraqueza de espírito bem justificada. Como um pecado bem "pecável". E com a frivolidade de quem nem precisa pedir perdão.

No fundo, devemos estar certos, né?

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

SÓ QUEM JÁ TEM.

Quem não quer alguém para mandar flores, para passear de mãos dadas pela rua, para encostar a cabeça no ombro durante o filme, para cantar uma música enquanto se dirige, para se abraçar na noite fria, para acordar aconchegado no dia seguinte, para sussurrar no ouvido, para tirar do sério, para puxar um papo qualquer só para ouvir a voz, para compartilhar uma angústia boba, para que os amigos cantem "com quem será" falando o nome dela, para planejar uma viagem, para fazer planos genéricos, para ter uma boa razão para voltar pra casa, para sonhar junto, para combinar uma aventura, para ouvir sugestões na hora de comprar roupa, para receber uma SMS com um "oi", gratuito, no meio da madrugada, ... ?

Quem não quer um amor para ir tomar café da manhã junto naquela padaria, para compartilhar a pasta de dente, para passar o protetor solar nas costas e com carinho, para fazer cafuné na soneca da tarde, para ter para quem puxar a cadeira ou ceder o lugar, para receber elogios "como vocês são fofos", para apresentar aos pais com orgulho, para apresentar à família e ouvir a tia velha dizer "quando vão casar?", para ter de quem receber uma cartinha manuscrita cheia de sentimento em datas especiais, para vagar de carro na madrugada contando bobagens, para beijar no elevador como se isso fosse privacidade, para olhar outras pessoas na rua e dizer "a minha garota é melhor", para fazer juras de amor eterno, para entender a ternura entre duas pessoas, para se afogar na plenitude de si mesmo, de um si mesmo que só é possível com o outro e tão somente no outro?

É... quem não quer alguém para dizer "eu te amo" e ouvir "eu também"?
Só quem já tem.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

OPERADORA DE CELULAR

(ou ensaio sobre 'turns on')

Certa vez, ouvi de uma amiga que não nos apaixonamos por pessoas, mas por traços em pessoas. Não sei se de todo concordo ou discordo, essa é uma boa indagação. Sei que faz algum sentido: sempre há aquele detalhe que nos chama a atenção e nos ressalta um diferencial na pessoa, às vezes uma besteira qualquer, a selar o suposto premente êxito daquela combinação existencial chamada casal. Um diferencial que revela alguma afinidade, como se na vida nosso fardo (ou benção) fosse encontrar um semelhante em meio a tanta gente diferente, isto é, fazer da semelhança o diferencial entre um e os tantos outros diferentes, por mais que assemelhados entre si na estranheza (indiferença?) que causam aos nossos códigos e corações.

Apaixonamentos são também das mais curiosas emoções. Por vezes revelam fetiches da alma, especificidades sentimentais, fantasias do coração, não necessariamente carregadas de lascívia, pelo menos não naquele momento, nem por aquela razão. Bem, (ainda) há quem se derreta em amores por uma posição moral específica que o outro possua, por um sonho de vida partilhado, por um passado sofrido semelhante, por todo um caldo de referências em comum. Religiões, filosofias, tradições culturais, a pertença a certo povo. Tudo isso nos identifica e nos aproxima. E com razão.

Em algumas vezes, a coisa é mais física e sensorial. Um jeito específico de olhar, de dançar, uma certa forma de dizer "oi", um toque provocativo, sardas, covinhas, cabelos de cor assim, olhos de cor assada, uma pele macia... Por vezes, o magnetismo é inconsciente. Dele só nos damos conta quando a falta nos bate à porta, inexorável. Como drogados, sentimos verdadeira crise de abstinência, como quando andamos na rua e uma brisa incauta nos carregas para dentro do nariz o perfume da pessoa, como um combustível de alta octanagem a fazer florescer de modo incendiário as piores e melhores memórias a ela associadas.

Noutras vezes, a paixão se sugestiona por besteiras culturais quaisquer. Desculpe-me por subestimá-las de plano. Sabe aquela pessoa que gosta dos mesmos filmes, dos mesmos livros, das mesmas músicas, dos mesmos jogos e tem um certo estilinho? Aquela menina que gosta daquela banda que ninguém conhece. Ou aquela menina que - what the hell!? - também joga aquele RPG online. Não importa quem ela seja, vai parecer uma enviada do destino. Alguém mais do que especial. Também pode ser só uma poser inteligente que arrumou um nicho onde se sabe mais valorizada. Não tem jeito: a adolescência envolve cair nesse engodo. Eu mesmo já achei que óculos de armação grossa fossem indício de todo um conjunto de características positivas. Hoje fico desconfiado de ser uma qualquer querendo pagar de inteligentinha/estudiosa ou uma hipster blasé que vá se incomodar com minha breguice genuína ocasional.

Contudo, as afinidades mais estranhas, nem por isso menos relevantes, são as operacionais, logísticas, utilitárias, práticas. Elas estão longe de serem necessárias, muito menos suficientes, para fazer brotar qualquer sentimento de proximidade romântica. Mas uma vez acontecendo o pontapé inicial romântico, elas prestam um papel importante em alimentar a coisa. E, por vezes, servem como critério eliminatório. Podem parecer frívolas, materialistas, coisa de gente vazia, a antítese do amor genuíno e desinteressado, o que até tem seu fundo de verdade. Mas não podem por isso ser ignoradas: entendê-las não implicará perdoá-las. Não necessariamente.

Afinal, como conta pontos positivos a seu favor alguém que more perto! Alguém que tenha um carro e saiba dirigir para viajar aos fins de semana sem grandes perrengues de rodoviárias. Alguém que não seja chata para comer, no sentido (você pensou em outra coisa!) que possa acompanhá-lo em qualquer restaurante. Alguém que tenha horários noturnos e não vá morrer de sono no seu auge metabólico. Alguém sem muitos amigos, para não ter muito com quem dividir horários. Ou alguém com muitos amigos, para quem sabe se fazerem novos amigos. Alguém que entenda de algum assunto técnico o suficiente para quebrar um galho cotidiano. Alguém com uma família legal para se aturar (quem sabe amar) nos eventos dominicais. Alguém que não tenha tatuagens ou piercings indiscretos para a vovó não ficar constrangida. Enfim, alguém que permita um relacionamento sem grandes esforços, sem grandes sacrifícios: os pequenos são bem-vindos como uma sacudida à sempre iminente monotonia.

E - por que não? - alguém que tenha a mesma operadora de celular. Ajuda muito. Com os planos ilimitados em voga entre usuários da mesma companhia, nada mais oportuno do que poder ligar e mandar mensagem sem se preocupar com a conta ao final do mês. Cuidado para não virar um telechiclete.  Fato é que uma maior viabilidade financeira do relacionamento não deixa de ser uma afinidade. Uma vez correspondida, é mais uma razão para correr para o abraço.

Contudo, se a operadora for diferente e a pessoa ainda assim valer a pena, também não tem problema: já inventaram a portabilidade. Você pode correr imediatamente à loja da operadora para se perfilar ainda mais ao ser amado. Afinal, nem só de telepatia vive o amor. Um telefonema de vez em quando ainda é bem-vindo. Se for de graça, então...

sábado, 10 de novembro de 2012

A NOSTALGIA DO QUE NÃO TIVE

Admiro-me com a minha capacidade de lamentar sobre coisas que não aconteceram no passado.

Queria ter certas coisas na minha história de vida que simplesmente não tive. Alguns acontecimentos que eu muito quis à época e não se concretizaram, outros que à época eu nem quis, mas que, olhando retroativamente, poderiam ter acontecido.

Fico pensando se essa é uma forma de arrependimento. Porque parece. Analisando bem, contudo, não é o caso necessariamente. Com certeza, algumas coisas deixaram de acontecer porque eu pensei mal, escolhi mal, hesitei muito: faltou vontade ou força de vontade. Confesso que dessas eu me arrependo muito.

Outras coisas, contudo, deixaram de acontecer por mera imaturidade da minha parte. Acontece: trair isso seria negar de alguma forma minha própria humanidade. Enxergo-as como um passo necessário ao crescimento: "faz parte".

O que não entendo é como que as coisas que mais me comovem, talvez porque a perplexidade diante da própria comoção potencialize a própria comoção, são aquelas que não aconteceram, não obstante toda a minha vontade, todos os meus esforços, toda a minha gana existencial, todas as minhas intenções vertidas em orações. Coisas que não aconteceram mesmo diante de circunstâncias favoráveis. Coisas que não aconteceram muito embora parecessem simplesmente fadadas a acontecer. Coisas que pareceram inevitabilidades do destino. De um destino que me traiu.

Fatalismos à parte, como se arrepender disso, se não consigo ver os passos em falso, onde errei, onde mal avaliei? Ou errei e não sei? Por que pensar nisso, afinal? Ainda vai acontecer? Pode o futuro redimir alguma lacuna do passado?  Por que já chorar o leite derramado quando eu não o derramei? Por que lamentar um azar se sobre ele nada se pôde fazer?

Para variar, os piores lamentos são os do setor coração. Principalmente os da adolescência. O convite que não aconteceu, a paixão notória que nunca deixava de ser segredo, as outras pessoas que apareceram na vida para embaralhar as cartas, a timidez recíproca, os medos de tudo. Aquele namoro ginasial que nunca se concretizou, mas que não lhe permite olhar para um casal de treze anos sem se lembrar da paixão frustrada. 

Aquelas pessoas especiais com as quais coisas especiais deveriam ter acontecido, mas nunca passaram do quase. As pessoas não tão especiais que ocuparam esses espaços que não lhes era de direito  - e a sensação renitente de que algo poderia ter saído melhor. Os desencontros do pêndulo amor-amizade em diversos momentos da vida: quando um queria, o outro não. A sintonia parcial. O descompasso dos ritmos cotidianos. As distâncias, geográficas ou não. O medo de magoar pela decepção diante de tanta expectativa. O medo da transformação em realidade significar a ordinariedade das coisas.  O medo de experimentar o idealizado e perder essa reserva de perfeição a alimentar tantos sentimentos intensos.

Eternas molduras sem quadros. Páginas vazias no álbum de fotos. Linhas em branco no caderno da vida. Silêncios, mas silêncios eloquentes. O nada nostálgico. Sem sépia, sem memorabilia, sem coisa alguma. Lembranças cujo gatilho é o vazio. Como um fantasma pessoal de estimação.

domingo, 4 de novembro de 2012

o beijo.

Era madrugada de domingo para segunda e, numa esquina do Leblon, em pé no meio-fio, quase pisando a pista dos carros, um casal se beijava ardorosamente. 
E se beijava...
E se beijava...
E se beijava...
Haja gerúndio (rectius, pretérito imperfeito) para descrever a continuidade. Não era um beijo lascivo, mas também não era um beijo apaixonado. Era tão somente um beijo intenso, genuíno, gostoso.

Todo mundo passava e olhava. Estava ali para qualquer um devassar a intimidade que o casal escolhera compartilhar e dali imaginar o que quiser. Outros casais olharam desconfiados. Grupos de meninas passaram com cara de estupefação e censura. Grupos de meninos por pouco não deram uma zombada. Um casal de idosos lançou um olhar pudico. Quem não estava de passagem, se punha a observar atentamente. Os garçons da lanchonete e o segurança da rua já brincavam: "será que querem quebrar algum recorde?" De fato, parecia... 

Tomei meu suco, pensei na vida, chequei minhas mensagens, troquei um lero e o casal continuava ali. Não iam se afogar em saliva? O fôlego em algum momento não ia acabar? O tédio? Não iam querer dar um passo à frente e ter que arrumar um quarto?

O beijo seguia em movimento retilíneo uniforme... Uma hora chegou a ficar monótono. Não tinha mão boba, não tinha arroubos, não tinha palavras ao pé do ouvido. O casal só se beijava, se beijava, se beijava, numa falta de constrangimento que eu particularmente só me permitiria por pouco tempo.

Contei quarenta minutos de um beijo ininterrupto. Como pode? Fui embora e eles ainda estavam se beijando. Passei de carro e olhei de perto. A vontade de buzinar era imensa, mas eu me segurei para não parecer a mim mesmo um recalcado, nem um intrometido.

A coisa até que estava com cara de armação. Suspeitei que fosse ação publicitária, câmera escondida, experimento de psicologia ou coisa do tipo, e que, ao final, os observados seríamos nós, os espectadores do espetáculo, em reação à cena inusitada.

Mas, apesar de algum ceticismo, acabei por ceder à máxima de que o amor é lindo, aposta uma ressalva: nem tudo o que é bonito é para se mostrar.

Em seguida, ouvi uma música romântica. Confesso que estava um pouco embalado. É, ainda sei me comover com pouca coisa e com breguices ostensivas. E um beijo ainda é um beijo.

sábado, 11 de agosto de 2012

A preguiça superável de datas comemorativas

Aprendi com a vida que o melhor a se fazer com datas comemorativas é simplesmente encará-las e entrar na   festa.

A revolta contra a "obrigatoriedade" de certos dias é compreensível e eu mesmo já a senti muito nessa vida. É um dia em que se TEM que ser aquilo que muitas vezes já se é e pronto. Datas comemorativas, como "dia dos ...", simplesmente nos molestam a espontaneidade.

Um argumento que eu sempre ouvi contra datas especiais é aquele da série "isso tudo é uma construção do/da... (insira-aqui-uma-entidade-abstrata-merecedora-de-ódio)", que postula que datas comemorativas são invenções do comércio para impulsionar o consumo e alavancar vendas durante todo o ano, como se esses fossem os marca-passos da pulsação econômica do setor de varejo. Pode até ser.

Fato é que já me revoltei, já bati o pé, já fui considerado "o diferente" e até insensível por simplesmente não me importar - quando não também me incomodar - com a pressão que ocorre para que tais datas ocorram com a solenidade que elas dizem merecer. Também já mostrei para as pessoas o quanto datas não são importantes e o quanto podem ser chatas: esse era um pouco do meu código.

O problemático sempre foi aniversário de namoro. Simplesmente não tenho saco - ou não valorizo o suficiente, pode ser - para mensalmente reprogramar todo meu calendário em função de um dia específico, que pode ser o momento mais inoportuno do mês, no qual um relacionamento aniversaria. Um dia em que há uma obrigação de ser fofo, a despeito de qualquer problema que haja ocorrido na vida naquele dia, a despeito da lógística difícil de uma cidade cada vez mais complicada, a despeito da semana de provas da semana seguinte. Um dia em que as expectativas podem correr tão altas que a ordinariedade da vida - e nela se encontra o que há de mais valioso - vai ser decepcionante. Por que o namoro não pode ser celebrado num outro dia qualquer, ou melhor, ser celebrado perenemente?

A bem da verdade, depois de tanta objeção, eu realmente desisti. É que desde sempre - e muitas vezes - fui 'vítima' de pessoas que também renegam datas comemorativas: meu pai é um bom exemplo. Encontro meu pai com facilidade em qualquer dia do ano, salvo no Dia dos Pais e no Natal. Não sei o que se passa na cabeça do meu velho, mas até pouco tempo era um hábito - talvez até uma regra - eu passar o dia das mães com meu pai e o dia dos pais com minha mãe: só para não ter a pressão. No Natal, é um outro problema: ele precisa se dividir e isso o transtorna. Nem reivindico mais o meu pedaço.

Desisti por uma razão muito simples: nadar contra a maré de expectativas daqueles que o amam é comprar para si um problema muito maior do que encarar a situação de frente e, simplesmente, dançar conforme a música. Gerir ilusões, desilusões e demais decepções relativas a um dia especial é uma tarefa hercúlea de administração emocional. Não compensa nenhuma satisfação que se possa auferir da fidelidade aos próprios faniquitos.


Deixar alguém que se ama sozinho num dia assim é uma maldade desnecessária. Por mais que a pessoa já não espere que qualquer coisa vá ocorrer, é impossível que um pontinho de lamento ela não sinta, especialmente se isso for razão para juízos comparativos em relação aos demais humanos na Terra.

A melancolia da solidão é bem descrita por aquela hora em que se encosta a cara na janela fria, deixando o ar que expira embaçar o vidro, e se olha para o prédio em frente, com as janelas dos vizinhos dispostas como em mosaico, por cujos ladrilhos se vêem, como na televisão, pequenas histórias alheias se desenrolando, em fiel cumprimento ao mandamento do dia: pessoas que confraternizam, namorados que se amam, pais e filhos que se abraçam, a família vendo as "últimas notícias" do Fantástico.


"Dias dos/das" têm tudo para ser momentos felizes e custam nada - ou muito pouco. São as datas em que os namorados esperam estar namorando à luz de velas ou em que todas as mães esperam estar recebendo elogios de sua prole. Também pode ser quando se espera que todas as famílias estejam se reunindo sob as luzes do pisca-pisca da árvore de Natal saboreando o que a data oferece de melhor: o pretexto.

Que mal há? Sábios os que aproveitam o pretexto e fazem da data não um fim em si mesmo, ou uma externalidade, mas um gatilho para ser genuíno com quem se ama. Como quem dança uma valsa imaginando que na verdade está num forró. Às vezes a coisa até fica mais animada...

domingo, 29 de julho de 2012

A CAMAREIRA

Leio semanalmente a coluna do Luiz Felipe Pondé na Folha, às segundas-feiras. Passei um tempo viajando e hoje fui ler a crônica "A idiota de Deus" (disponível aqui). Recomendo. Pondé falou de uma coisa que eu sinto de vez em quando e é bem forte. Queria compartilhar.

Sempre fico mexido com  generosidade, altivez, doçura, simpatia genuína (odeio polidez e cortesias contidas) e capricho, especialmente quando vêm de pessoas que estão tão próximas fisicamente (ora porque servindo um café, ora porque anônimos no transporte coletivo, etc), mas tão distantes em termos de conexão pessoal. É deslumbrante quando algo faz romper essa barreira. Fico mexido e perturbado: é a hora em que sinto ir por água abaixo todas as minhas abstrações sobre o mundo, minha intelectualidade política, minha auto-imagem, minhas representações sobre o que as pessoas são ou devem ser, meu indivíduo como centro do meu próprio universo, às vezes até vacilo em minhas posições quase-libertárias, como se aquele choque de humanidade me levasse a pensamentos de esquerda. Quase me vejo como alguém inconsistente e incoerente: sinto diferente do que penso que sentiria, e preciso repensar. Não dura muito tempo, mas é arrebatadora a dissonância cognitiva.

Uma figura que sempre me mexe, com renovável ineditismo, é a camareira de hotel. Quando viajo, costumo sair cedo do hotel e só voltar de noite para dormir, então percebo que as camas estão milagrosamente arrumadas, o quarto limpo, o banheiro alinhado: tudo com muito capricho. O fato de eu não olhar em um par de olhos faz parecer que a limpeza simplesmente aconteceu e pronto: o trabalho bem feito vira uma grande abstração absorvido pela coisa em si, ali, pronta, e eu mal me dou conta do que a antecedeu. É assim quase sempre. E com quase tudo: a comida gostosa, a lixeira limpa, a torneira brilhando, ...

Ano passado, estava viajando nos EUA e fiquei com febre pesada em um dia. Tive que ficar no hotel o dia inteiro, de molho. Em dado momento de meu descanso, a porta do quarto se abre: é a camareira, que toma um susto ao me ver lá dentro e pede desculpas desconcertada, como se houvesse pecado contra minha privacidade. Eu falo para ela entrar e não se incomodar com a minha presença enferma. Ela era tão sorridente e simpática que eu puxei uma conversa enquanto ela trocava a roupa de cama ao lado (sinto-me como se estivesse iniciando um conto erótico, mas não). Descobri que era filipina, que tinha um filho pequeno, que adorava Nova York, que a vida lá era muito melhor que em sua terra natal, que gostava de um tal programa de televisão sobre viagens e tudo o mais. Falei um pouco sobre mim, sobre o Brasil, e ela inclusive pôs a mão na minha testa para ver se eu ainda estava com febre. Suas mãos eram um pouco ásperas, como as da minha mãe, no que até me contagiei por um carinho maternal. Perguntou se eu queria algum remédio. Disse que não precisava, pois estava bem suprido de farmácia (como sempre). Acalentei-me com sua presença. 

Logo depois, ela foi embora, dando um tchau desconcertado, como se houvesse transgredido sua própria habitualidade ao ter uma conversa tenra e pessoal com um hóspede. O quarto estava um brinco. O mais legal foi sentir que a roupa de cama arrumada ficou com cara de gente: a camareira e seu cuidado ali estavam estampados. Se abraçasse o edredom naquele momento sentiria seu calor humano, como se a própria camareira me abraçasse. O quarto ficou terno, a arrumação ficou humanizada. Por pouco, não me senti em casa. Seu capricho fora personificado e a limpeza ali teria nome e sobrenome, se eu o houvesse perguntado. Até hoje me penitencio por não tê-lo feito.

(aliás, até acho engraçado que nunca sei o nome dessas pessoas aleatórias com quem de vez em quando tenho encontros instantâneos e reveladores... indago-me se acabo por despersonificá-los, em clara ingratidão diante da humanidade que elas me trazem.)

sábado, 23 de junho de 2012

AMOR NOVINHO

Era dia dos namorados e eu já estava meio cansado das demonstrações publicas de afeto afeitas ao dia. Ora invejáveis, porque solteiro, ora apenas cafonas, porque o amor romântico é por si cafona quando somos terceiros, especialmente quando empatia não nos é o forte. Não me é o caso, para meu próprio desespero...

Eis que parei no sinal e começou a atravessar a rua um casal que devia ter lá seus 15 anos. Ela estava de uniforme escolar e segurava uma flor contra o peito. A outra mão dava ao garoto, que, vestido à paisana (em considerando que Abercrombie ainda não tenha virado um uniforme "laico" para a juventude carioca), destilava amor: tinha cara de que aquele era o primeiro dia dos namorados em que ele passava acompanhado. Quanto a ela, não tive duvidas: seu semblante era tão maravilhado que parecia suspirar.

Mergulhei meu olhar neles, que se entreolhavam com timidez e doçura, com uma cara de descoberta e arrebatamento. Não devem estar entendendo ainda porque aquela coisa tão linda faz tanta gente sofrer, chorar e até morrer. Seria encrenca de gente grande?

Se for o caso de que pensaram isso, não sei se ingênuos são eles ou se sou eu. Se ingênuos eles, aviso que desde logo os perdoo e os admiro por amarem sem as antecipações angustiantes que hajam carregado de desamores passados.

Se ingênuo eu, por estar praticamente babando diante de cena tão linda e pontual, reservo-me a defesa de que, independente das agruras que o amor esconda e reserve para o futuro dos amantes - e estatisticamente amores não dão certo para sempre -, o amor me comove esteticamente, especialmente se forem esses amores açucarados, retratados como polaróides dos melhores momentos, a desconsiderar o marasmo da rotina e as neuroses do passado. O amor é lindo mesmo.

De mãos dadas atravessaram a rua. Estavam tão distraídos e deslumbrados que me pareceram desfilar sobre um tapete vermelho imaginário. Acho que nem no casamento poderiam parecer tão plenos. Subiram a calçada como se subissem ao altar. A flor solitária era segurada como buquê. Os passantes de Ipanema eram os convidados. O uniforme virara branco. A Abercrombie virara paletó. O doze de junho agora era treze de junho. O barulho dos carros e a freada dos ônibus tocavam Elgar. Esperei jogarem arroz do alto das janelas, mas parecia que só eu percebia aquela cena.

O sinal abriu e foi como se eu aterrissasse. Buzinaram atrás de mim, como se o atraso dos outros fosse mais importante que meu devaneio romântico sobre amor alheio. As buzinas devem ter razão, mas peço logo que me perdoem: era dia dos namorados e, só, só estava indo para a faculdade.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

PROCURA-SE VENDEDOR

Sinto irritações cotidianas, dessas que mais se assemelham a preguiças estéticas do que a verdadeiras indignações.

Eu não sei se isso é invenção dessa galera de RH, então peço licença aos especialistas para espinafrar o trabalho de recrutamento. Acho absolutamente irritante o tipo humano que procuram certos anúncios de emprego, especialmente para vendedor de loja: querem pessoas DINÂMICAS, COMUNICATIVAS, CRIATIVAS, PROATIVAS, INTERESSADAS, PERSERVERANTES, e, claro, com experiência anterior.

Tirando a parte da "experiência anterior", o único critério objetivamente relevante, mas desinteressante como gergelim, o resto todo me dá pânico. Leio o elenco de virtudes do profissional ideal e uma imagem vai se formando em minha cabeça. Eu gosto de pessoas dinâmicas, comunicativas, criativas, proativas, interessadas e perseverantes, mas imaginar essas características juntas, maximizadas e otimizadas como parte da oferta pessoal de alguém é perturbador.

Não sei por que, mas essa descrição me lembra participantes do BBB assim que entram no programa (ou o Marcos Mion, mas deixa pra lá). Tudo é uma festa, tudo é sorriso, todo mundo tem iniciativa para as coisas, tem as tiradas certas no momento certo, está disposto a ganhar o prêmio não obstante as adversidades, vai ter espírito de liderança nos momentos difíceis e todo esse blá-blá-blá que eu não sei a quem engana. Talvez seja uma versão mais intimista do "marketing de comportamento" de que o Luiz Felipe Pondé (vide) com tanta razão gosta de falar.

Essa busca pela pessoa-alfa é insuportável. Querem gente com sorriso de anúncio de pasta de dente, cheio de iniciativa como o Eike Batista, carismático como um cover de Silvio Santos, e gesticulando como um rapper: se for um rapper italiano, melhor ainda.

Não querem, mas vão acabar encontrando, pessoas e assuntos que invariavelmente levam aos falsos interesses, às simpatias forçadas, à polidez extremada e à espontaneidade tolhida a pretexto de suavizações. Tudo sustentável e milimetrado para parecer casual. Um saco.

Tudo isso deve funcionar para vendedor de loja. Compreendo e perdôo: se eu fosse o dono da loja, também não contrataria alguém gago, ranzinza, sazonalmente criativo, e perseverarante (inclusive em erros) como eu mesmo. Reclamo como parte do ofício e invento como quem fantasia para melhor curtir: no fundo o anúncio não é "procuro amigo" ou "procuro companheiro". Mas bem avisei, antes que me critiquem: se assim fosse, estaria indignado, não esteticamente empreguiçado.


sábado, 26 de maio de 2012

OS FIOS BRANCOS DE MEU CABELO

Coleciono fios brancos no cabelo como quem guarda memórias. Calma, ainda consigo contar nos dedos quantos eu tenho...

Cada fio branco em meu cabelo é a lembrança de um stress. Vou começar a nomeá-los e a tratá-los como se de estimação fossem. Alguns terão nomes de eventos ruins, outros terão nomes de garotas sofridas, outros serão nomeados a partir dos desafetos. Como uma sala de troféus - só que não -, minha cabeça será uma cabeleira de agruras em meio a pretos créditos de sofrimento ainda não usados.

Uns eu alisarei em nostalgia, em lembrança da maturidade adquirida na adversidade. Outros eu preferirei arrancar raivosamente, como quem adultera a memória pensando estar mexendo no passado: ledo engano.

Uns ir-se-ão na passada suave de uma escova de cabelo (pode até ser a tal verdinha de que já falei em outro texto), como as duras memórias que despercebidamente vão ficando difusas ao ponto de não lembrarem outra coisa que não a vala comum do esquecimento, o grande responsável por sermos menos ressentidos.

Outros permanecerão ali, a despeito de quantas vezes eu passe a bendita escova. Se os arrancar ou cortar, nascerão de novo em sua alvura maldita, como fantasmas que não se exorcizam e com os quais só resta conviver na melhor cordialidade do eu para com o eu-mesmo.

Os anos vão passar e os fios brancos só se multiplicarão. Mas não é por conta da idade chegando, eu garanto: é que quanto mais se tenha vivido, mais se terá sofrido, inevitavelmente. Que triste prognóstico é, contudo, imaginar-me um octagenário de cabelos brancos. Nessa etapa da vida em que melanina é luxo, acho que terei por bem pintar os cabelos: que mal fará tratar sintomas como causas? Se não for por caduquice, que seja então por bom humor...


segunda-feira, 30 de abril de 2012

A TENTAÇÃO DE MÃE VALÉRIA

Quem já perambulou por Ipanema bem sabe que nos postes de cada esquina, além da luz que ilumina a rua, fatalmente encontram-se cartazes com oferta tentadora de uma mãe-de-santo a iluminar corações aflitos e apaixonados:

MÃE VALÉRIA: TRAGO A PESSOA AMADA EM TRÊS DIAS.

Acho bonito que exista uma mística, um jogo e, às vezes (aham), até um drama no apaixonamento e na sedução. Conquistar o outro e cativá-lo aos próprios braços é um trabalho difícil, embora ocasionalmente ele nos ocorra com tanta facilidade e surpresa que não raro somos levados a acreditar que há alguma explicação inesperada, como energias, cosmos, e outras baboseiras (?), por detrás. E se houver mesmo? Enfim.

Talvez a dificuldade do trabalho de conquista amorosa seja justamente a bilateralidade. E conquistar é verbo que pressupõe resultado: ninguém conquista como tentativa. Diferente de outros "projetos" aos quais nos dedicamos na vida, o projeto da conquista amorosa não funciona se estivermos obcecados, nem se focarmos todas as nossas energias para o resultado almejado. Nesse departamento, as coisas são diferentes: se formos com tudo, assustamos a quem queremos cativar. Se formos "com nada", ou melhor, se não formos, pagamos o preço da nossa omissão, embora alguns insistam em dizer que a rejeição acaba sendo convidativa. Pode até ser, mas não para quem age estrategicamente, isto é, para quem rejeita intentando conquistar. É que os apaixonados não conseguem mentir sobre a paixão: quando mentem é porque se atrapalharam tentando não apressar a verdade.

O que Mãe Valéria promete, com suas ligações transcendentais que nem ouso explorar, derrotar ou confirmar, é resolver essa questão difícil: eliminar a bilateralidade da conquista e simplesmente fazer conquistar o outro, como quem pratica um ato em vez de um contrato.

Meu "eu liberal" fica perguntando se isso é interferir demais na vontade alheia, se é que tal é verdade e não um mero engodo a se aproveitar da fragilidade dos apaixonados. Meu "eu romântico" (que não necessariamente se contrapõe ao liberal) pensa, por sua vez, em tom eufemístico: Mãe Valéria é só um empurrãozinho do universo para um amor consciente e voluntariamente dirigido.

O que quer que seja, Mãe Valéria é tentadora. Promete eliminar domingos chuvosos sofridos, leituras pessimistas de entrelinhas, desertos de espera por mensagens que tardam ou não chegam, palavras truncadas em esbarrões de corredor, discussão sobre se há ambiguidade ou univocidade nos gestos simples e complexos.

Promete debelar o frisson, que em alguns gera verdadeira inquietação epistemológica - tamanho é o amor à verdade -, de encontros tão bem justificados sob o manto da coincidência e da casualidade, bem como de desencontros igualmente bem justificados sob a escusa do azar e da fatalidade.

Alguns vão dizer que Mãe Valéria é como uma trapaça no jogo da conquista. É como usar um cheat. Você se diverte usando cheats? Eu me divirto, em geral.

A diversão é menos verdadeira porque usou cheat? Não sei. Nunca fui dessa galera que gosta de jogar games fazendo as missões e levando a sério o enredo. Talvez por isso jogos nunca foram atraentes em minha vida. Quando podia, colocava um cheat e ficava só zoando. Sentia menos desafio, eu concordo:  mas nunca quis buscar num jogo algo além de mero entretenimento. E adrenalina não me entretém.

De desafiadora, sempre me bastou a vida: talvez ela assim o seja porque justamente consiste da "arte" (é tão brega dizer que algo é "a arte de") de conciliar vontades próprias com vontades alheias dentro das possibilidades fáticas que se põem sobre a mesa. A vida, em muito, é a correspondência entre o que nós queremos, o que os outros querem e o que se pode fazer. Mãe Valéria promete ajustar os dois últimos elementos aos desígnios do primeiro.

Isso pode significar destruir toda a graça da conquista e o próprio percurso amoroso que serve de lastro aos romances. Uma conquista amorosa suada acaba por valorizar o amor. Acho que Mãe Valéria, se é que vale a pena de alguma forma, não o vale como recurso principal, mas é fato que apaixonados sem esperança podem encontrar nessa oferta encantadora o melhor alento - e a última trincheira - para seus corações inquietos.

Falo de Mãe Valéria em tom documental, como se lá já tivesse ido. Nunca fui. Morro de vontade de ir, tanto como cronista curioso e cético desconfiado quanto como apaixonado ocasionalmente frustrado. Eu bem lá sei que Mãe Valéria não faz muito sentido: ela é reprovada em todos os meus testes lógicos e de coerência. Até consigo pensar em problemas à atuação de Mãe Valéria.

Vejam só. Se ela fosse infalível, haveria uma fila gigantesca de meninas à sua porta, ansiando pelo Príncipe Harry em seus braços: mas não existe Princípe Harry para todas e, ainda que houvesse, para ele chegar em três dias teria que passar um dobrado com sua agenda institucional. Do mesmo jeito, quando dois homens desejam a mesma mulher, quem leva a melhor? Quem chegar primeiro? Quem tiver o santo mais forte? Quem pagar mais? Problemas...

Fico me perguntando sobre o que Mãe Valéria fala e faz. Não pode ser possível que alguém se mantenha no mercado de condução-de-pessoas-amadas-em-tempo-recorde há tanto tempo com base em mentiras básicas ou bobas... Tudo bem, ainda que ela esteja mentindo como charlatã profissional, não é possível que coisa alguma aconteça (ou é?). Talvez ela seja apenas uma boa conselheira amorosa, não descarto a possibilidade. Seria uma "Hitch" carioca com leves predicados mediúnicos e epíteto matriarcal?

O que sei é que Mãe Valéria é uma tentação permanente. E não é porque me disseram que ela até é uma senhora bonita...